'Estouro' de lagoa ou rio é natural, mas forçar abertura pode ser crime; entenda fenômeno que atraiu turistas em Guarapari
29/01/2025
A lagoa de Caraís transbordou de forma natural neste mês, mas há dois anos uma abertura forçada agravou um incêndio que destruiu uma reserva ambiental. 'Estouro' de lagoa ou rio: entenda o fenômeno que atraiu turistas em Guarapari
Um rio sempre deságua no mar. Às vezes, esse encontro da água doce com a água salgada não é contínuo, e o rio — ou lagoa — e o mar ficam separados por uma faixa de areia. Mas o destino dessas águas é se encontrarem: é o fenômeno conhecido como "abertura da foz" — ou "estouro de rio" —, um evento que demonstra a força da natureza e desperta curiosidade.
O encontro das águas renova a fauna e atrai turistas. Mas provocar o estouro de forma intencional pela ação humana, é crime ambiental e pode causar graves prejuízos para biodiversidade da região.
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Em Guarapari, na Região Metropolitana do Espírito Santo, o "estouro" da lagoa de Caraí, no Parque Estadual Paulo César Vinha aconteceu de forma natural no dia 15 de janeiro. Imagens que mostram o transbordo na região chamaram a atenção nas redes sociais e levantaram a curiosidade sobre como e porque o fenômeno acontece.
Por isso, o g1 ouviu especialistas que explicaram como a ação ocorre e as consequências da abertura forçada.
Basicamente, o transbordo ocorre devido a uma junção de fatores como as chuvas e a maré. Quando acontece de forma natural, especialistas apontam que o fenômeno é essencial para manter os ciclos de nutrientes e de entrada de espécies que migram para a água doce para reproduzir, além de trazer uma maior diversidade para o local.
Mas abrir a boca da barra sem autorização de órgãos responsáveis é crime ambiental segundo a Lei Federal 9605/98 com pena de até quatro anos de prisão.
Além disso, quando realizada de forma forçada, a abertura pode deixar o ecossistema mais vulnerável a catástrofes naturais.
Encontro da água da lagoa de Caraís com o mar no Parque Estadual Paulo César Vinha, em Guarapari gera bancos de areia e pequenos oásis
Raphael Magalhães
Nesta reportagem você vai ver (clique para navegar):
O que é esse fenômeno
Estouro criminoso agravou incêndio
Benefícios para o ecossistema
Como visitar o parque onde o estouro ocorre naturalmente
Lagoa de Caraís, no Parque Estadual Paulo César Vinha, em Guarapari, no início de janeiro antes do transbordo e depois a mesma lagoa no dia 16 de janeiro, após o transbordo
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Entenda o fenômeno
Segundo o biólogo especialista em peixes, João Luiz Gasparini, a abertura da foz é um fenômeno importante e comum que ocorre em quase todas as lagoas costeiras do Brasil.
"O fenômeno é simples. É uma grande planície de inundação. Quando chove muito, alaga tudo e se chover além da conta, a lagoa acaba transbordando pela praia e acaba rompendo naturalmente a foz. Mas, depende da maré e da força da água que sai. Logo a margem fecha e mantém parte da água", explicou o biólogo que também integra a equipe do Projeto de Monitoramento das Atividades Pesqueiras da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
O engenheiro-agrônomo e agente de desenvolvimento ambiental David Casarin trabalha no parque e disse que não existe frequência ou data certa para o fenômeno acontecer.
"Trabalho no parque há quatro anos e já vi acontecer umas sete ou oito vezes. Mas pode passar o ano todo fechado, alguns meses aberto, ou abrir e fechar em questão de dias. Uma ressaca pode ajudar também. É sempre uma festa quando acontece, mas também um momento de atenção pra gente" falou.
Após o transbordo no dia 15 de janeiro e a divulgação de imagens com o encontro das águas, o agente disse que muitos turistas correram para ver o fenômeno de perto.
Água da Lagoa de Caraís, no Parque Estadual Paulo César Vinha em Guarapari, Espírito Santo, antes da abertura da foz para o mar
Reprodução/TV Gazeta
Com a abertura, algumas áreas alagadas do parque escoaram e também facilitaram a entrada para que mais visitantes fizessem a trilha de 40 minutos que leva até a lagoa.
A lagoa também é conhecida como "Lagoa da Coca-Cola", por ter uma coloração escura causada pela presença de matéria orgânica, e é um dos destinos turísticos da cidade. Apesar da cor, a água é própria para banho.
Mas, menos de duas semanas depois do transbordo, a lagoa já dava sinais de que ia fechar novamente.
"Cada dia que a gente anda no parque a gente vê a lagoa de uma forma diferente, uma beleza diferente. Em um horário é de um jeito, tem outra cor. Cada dia é um espetáculo diferente", contou.
Mas para aproveitar o evento de maneira segura, existem algumas recomendações, principalmente para evitar o mergulho exatamente no ponto de encontro entre a lagoa e o mar.
"É perigoso brincar ali na saída da água por conta da velocidade e dinâmica. Pode arrastar alguém que não sabe nadar. Ou alguém pode se ferir pisando em peixes que tentam entrar nessa conexão de água. Alguns bagres entram na lagoa nessas ocasiões", afirmou o biólogo da Ufes.
Lagoa de Caraís, em Guarapari, no Espírito Santo, durante o período de alagamento
Divulgação/Parque Estadual Paulo César Vinha
Estouro criminoso agravou incêndio
O funcionário do parque relembrou que entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, um grupo de jovens abriu uma vala com as mãos cavando a areia entre a lagoa e o mar.
"Eram três jovens que abriram por diversão um pequeno canal que abriu toda a lagoa. Eles foram denunciados por visitantes do parque e eles foram identificados e multados. Depois não choveu mais o suficiente para encher o alagado e isso ajudou o incêndio de 2022 ser da dimensão que foi, com quase 40% do parque queimado. A ação dos jovens contribuiu para manter o ambiente seco de janeiro até setembro", pontuou.
O incêndio que o servidor relembrou foi o segundo maior da história do parque. As chamas começaram no dia 22 de setembro e só foram extintas no dia 26 de outubro do mesmo ano.
A área destruída representa o equivalente a 555 campos de futebol, de acordo com o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). A perícia do Corpo de Bombeiros do Espírito Santo concluiu que o fogo começou por ação humana.
Encontro da água da lagoa de Caraís com o mar no Parque Estadual Paulo César Vinha, em Guarapari gera bancos de areia e pequenos oásis
Divulgação/Parque Estadual Paulo César Vinha
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Para evitar que situações como essa aconteçam e que visitantes se machuquem em áreas afastadas do parque, sete servidores estaduais e 12 brigadistas atuam no local realizando rondas diariamente.
"Os humanos interferem nos fluxos naturais, e com a urbanização que acontece ao redor do parque, existe a possibilidade de diminuir o fluxo de água, e a gente pode perder o fluxo de água natural. A lagoa de Caraí nada mais é que um final de um grande alagado que existe no interior do parque, cerca de 35% do local é alagado. E aí existe uma área de proteção em torno desse alagado", concluiu.
Estouros criminosos além de prejudicarem o ecossistema, também podem colocar em risco a vida de quem causa a ação.
Algumas imagens de pessoas que forçaram a abertura de um rio para surfar viralizaram nas redes sociais. Mas os especialistas alertam que a força da correnteza que deságua no mar pode causar acidentes.
Surfistas se arriscam tentando pegar ondas em 'estouro de rio' e imagens viralizam nas redes sociais
Reprodução/Redes sociais
Benefícios para o ecossistema
Registro inédito de um socoí-vermelho comendo um marobá após transbordo da Lagoa de Caraís no Parque Estadual Paulo César Vinha em Guarapari, no Espírito Santo
Hilton Monteiro
O processo natural de abertura da foz é um espetáculo da natureza acompanhado por biólogos, funcionários e visitantes. Bancos de areia se espalham pelo parque e pequenas lagoas se formam próximo o encontro da água doce com a salgada.
No último evento registrado, o engenheiro eletrônico Hilton Monteiro, de 61 anos, que sempre tira fotos do local, conseguiu fazer um registro inédito de uma ave no parque.
"Como os peixes se aproximam da superfície, eles viram presas fáceis para aves que ficam só na espreita aguardando a oportunidade. Consegui tirar uma foto de um socoí-vermelho [Ixobrychus exilis] comendo um peixe marobá. Essa ave é rara no Espírito Santo, e esta foto é o primeiro registro fotográfico dela em plataformas de compartilhamento na Internet no município de Guarapari", relatou.
Lontra aproveita para se alimentar dos peixes represados durante transbordo da Lagoa de Caraís, no Parque Estadual Paulo César Vinha em Guarapari, no Espírito Santo
Hilton Monteiro
Com a saída da água da lagoa, os especialistas destacam todo o ciclo da vida gerado pela ação: por ser um berçário, peixes entram, outros saem e alguns acabam morrendo afogados e servem de alimentação para diversos animais, o que atrai novas espécies.
"A água retida acaba penetrando no solo de toda a restinga e mantém aquela esponja de turfa bem úmida durante meses, evitando incêndios e mantendo a restinga muito mais viva e produtiva. Onde há água, a vida é exuberante", finalizou o biólogo.
Parque Estadual Paulo César Vinha oferece contato com a natureza e aventura em Guarapari
Como visitar o Parque Estadual Paulo César Vinha
A entrada do Parque Estadual Paulo César Vinha é pela Rodovia do Sol (ES-060) no km 37,5 sentido Vitória;
A entrada é gratuita;
O horário de funcionamento é de segunda a segunda das 8h às 17h;
O local tem uma área de estacionamento com 50 vagas.
Como aproveitar o parque com responsabilidade
🎣 É proibido pescar;
🍖 É proibido realizar churrascos;
🎶 É proibido o uso de caixas de som;
🐶 Não é permitido levar o animal doméstico;
⛱️ O visitante precisa levar guarda sol, água e seu próprio lanche porque o local não possui comércio;
⛔ As trilhas são auto guiadas com sinalização.
Lagoa de Caraís, em Guarapari, no Espírito Santo, durante o período de alagamento
Divulgação/Parque Estadual Paulo César Vinha
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